terça-feira, 31 de janeiro de 2012

The rain is gone

Tricha parou o carro perto da praia e saíram todos. Começou por sair ele pela porta do pendura, depois seguiu-se a cadela, um pastor alemão preto, que se esquivou logo lá para fora, e por último saiu ela trancando o carro.
Percorreram uma passadeira em madeira, ia do estacionamento até perto do mar. Na passadeira havia uns postes de eletricidade com colunas presas no cimo que passavam música dos anos 80 de uma radio qualquer
Foram passear pela praia, estava deserta por causa do frio. Embora o sol brilha-se e aquecesse as almas, era ainda inverno, a qualquer momento podia cair chuva e qualquer resfriado podia dar direito a uns dias de cama. A cadela brincava na areia, rebolava e corria, molhava as patas na água e fugia das ondas quando elas voltavam. A dona e o amigo, sempre atentos á pequena, caminhavam enquanto conversavam. Sim! Até então eram apenas amigos
- Parece que vai chover – observou ele
- Não esqueçamos que é inverno - gracejou Tricha
- Tens razão. Mas olha como ela se diverte.
- É! Ela gosta do mar. Parece que é filha de pescadores.
Por vezes chamavam a cadela para não se afastar muito e entretanto a conversa remeteu para o trabalho.
- Andam a apertar connosco no trabalho – comentou ela.
- Pois! Bem sei. Eu também levei com esse aperto. Ou chego a horas ou “ka-fucking-putt”. Já fui chamado uma centena de vezes ao gabinete. Tenho que chegar cedo, não posso arriscar, preciso deste trabalho.
- Tens que ter cuidado Eddie. É um trabalho de porcaria mas é o que há. Isto anda mal de trabalho, não é.
- É verdade. É um trabalho de merda mas alguém tens que o fazer. – Gracejou Eddie ao qual Tricha riu como uma perdida.
Entretanto começou a chuviscar.
- É melhor abrigarmo-nos – advertiu ela - está ali uma barraquinha ao pé da passadeira, vamos para lá
- Lassie – chamou.
Eles começaram a caminhar para a barraquinha enquanto a Lassie corria para os acompanhar. Chovia cada vez mais forte. Chegaram á barraquinha e já estavam ambos parcialmente molhados. Agora protegidos, não tinham outro remédio senão sentarem-se na areia e esperarem que parasse de chover. A cadela chegou entretanto toda molhada mas alegre e antes de se sentar á beira deles sacudiu-se, espalhando água. Mas eles não se zangaram com a pequena pelo contrário, riram com o sucedido.
Tricha depois de se rir pousou a cabeça no ombro dele e a mão sobre o seu peito.
- Obrigado por me fazeres companhia.
- Não tens de quê. Eu é que fico agradecido. Estava a morrer de tédio em casa.
- Olha… - chamou ela a atenção. - Comprei-te um presente de natal.
- Não precisavas mas de qualquer das formas estamos no início mês ~
- É Dezembro não é? Então para todos os efeitos é Natal.
- O que é?
- Tens que ver! – sorriu ela
Eddie desembrulhou o presente e verificou que se tratava de um relógio despertador, com radio incorporado.
- Um relógio? – estranhou
- Não é só um relógio tonto. É um relógio despertador. Sei que não precisas mas é para veres o que significa para mim chegares a horas ao trabalho. Não me agradava nada que fosses despedido por uma coisa tão estúpida, ficaria sozinha, és tudo o que eu tenho lá.
- Obrigado Tricha – deu-lhe um beijinho na cara mas ela desviou-se propositadamente para ele lhe beijar na boca. Ele também não se conteve, após o primeiro contacto, beijo-a novamente na boca, apaixonadamente, como se o quisesse ter feito há muito tempo. Beijaram-se mutuamente sem ligarem ao que passava em redor.
- Olha querida – disse Eddie sem se aperceber do termo que acabara de usar – parou de chover. Vamos aproveitar para ir embora.
Levantaram-se e caminharam de volta para o carro de mãos dadas. A Lasssie seguia-os atrás. Nas colunas presas no cimo dos potes passava Johnny Nash - I Can See Clearly Now. O Destino não podia escolher melhor timing nem melhor banda sonora.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Agora que anoiteceu, Camila



Agora que anoiteceu, Camila, e que a Rua Augusta se esvaziou de turistas e de mendigos, o meu coração parece querer pernoitar nos escombros da tua memória e sinto que a brisa suave de Junho se compadece desta solidão trazendo-me o perfume espesso da tua pele, e caminho sem governo por entre o brilho lunar que cai sobre o Tejo e de que, um dia, foi feito o nosso amor. Desculpa se te pareço lamechas: o problema da solidão é a companhia que ela nos faz, e sei que ao te dirigir estas palavras, ainda que condenadas à dolorosa repetição que a eternidade ecoa, a noite acontecerá serena e, quem sabe, quererá ocupar à mesa o lugar que deixaste tão vago, tão só, tão silencioso.

Agora que anoiteceu, Camila, e que deambulo por entre as palavras esbarrando na tua imagem, gostaria de te poder dizer que desconheço o sítio dentro de mim por onde entraste, durante uma vida permaneceste e por onde saíste levando contigo uma parte importante de mim, da qual nunca quis abdicar senão pelo fio de sol que ao descer pelo teu rosto te ilumina, e que ao ignorar esse fragmento meu onde continuas, contudo, a doer, ignoro também o modo como te retirar da pressa frenética dos dias, do absurdo das horas, ignoro o modo como poderei deixar de antever a tua presença em todas as ruas e como poderei deixar de acordar sobressaltado, a meio da noite, cuidando que estivesses tão real tão palpável a centímetros de mim. Mais do que isto, Camila, quero dizer-te que se um dia regressares do rumor surdo que nasce da memória do teu corpo, encontrarás apenas a mobília coberta de pó, a loiça arrumada na louca monotonia que caiu sobre a vida, e nada de mim sobrará senão os meus ossos e o restolhar insistente das nossas memórias.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Trompete




Olhar para uma linha de comboio vazia, e ver um trompete tombado sobre os carris, não abona nada em favor da música. Mesmo sendo o trompete dourado e reluzente, o comboio nunca vai deixar que a música se oiça. Quem será que ficou sem ar nos pulmões e abandonou o trompete na linha do comboio? Quem foi, não sabe que o comboio não tem dedos para tocar. Se o trompete pudesse tocar sem o sopro de alguém, podia ser ele próprio a contar-nos a história, que começa, quando um pai, que nem sequer é surdo, decide que o filho tem que viver a música, em vez ele.

Exercício, original e sem revisão, do início de Romance com base na história da Marisa.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Eu não me considero nada em relação à escrita, mas confesso que a minha queda é para a poesia, então a propósito disso e depois de muitos pedidos deixo-vos com um poema da minha autoria.

limitar o limite
Vida passa,
Por nós sem parar,
Limites impostos,
Para alguém os traçar,
Distante paraíso,
Da loucura total,
Distante silêncio,
Da palavra desigual,
Ternura imensa,
Num simples destino,
Fraqueza demente,
D`um cómodo caminho.

Andreia Tavares

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Zumbido

Era então certo que iria ali ficar, ficara assim decidido. a chuva continuava a cair miudinha, condição que nem me incomodava.
Preparava-me para beber um copo de café e abrir a lata de anchovas quando subitamente comecei a ouvir uma espécie de zumbido, um “ ZZZZzzzzzzzzzzzz” forte e contínuo que me estava a fazer confusão, a cana ludibriou-me porque oscilava ao sabor da corrente e só me apercebi que algum peixe tinha ficado agarrado quando me aproximei da cana, dobrei-me e encostei o ouvido ao carreto. Não era necessário ser Einstein para deduzir que estava lá um peixe e não era pequeno. Apressadamente agarrei na cana e recolhi a linha, ainda cheguei a sentir um esticão mas a linha recolheu-se sem qualquer dificuldade e achei natural que o que lá estava tinha acabado de se soltar. Recolhi toda a linha e de facto como era previsível não estava lá nada, estava a chumbada presa na madre, mas tudo o resto tinha o levado o peixe: o estralho, o anzol e o peixe em si. Olhei o mar e raciocinei sobre que tinha feito de errado, mas o que está feito, feito está. Voltei a por a isca e desta vez apertei bem os nós. Nenhum peixe havia de lá escapar agora. Atirei o peso novamente e desta vez consegui atira-lo até cerca de 30 metros. E esperei. Pouca se faz aqui a não ser esperar e divagar. Quando estou sozinho, o que é muito frequente, geralmente ponho sempre uma musica na radio, é a Eunice quem me faz companhia usualmente, gosto também muito de escrever mas o pais não está para escritas utilmamente, bem, o pais não está para nada utilmamente como pode o povo pagar por uma crise criada pelos grandes. Não vou divagar sobre isso recusou-me esse tema só me faz triste, a crise e o amor. Se ao menos em miúdo, tivesse fechado os olhos á economia e ao amor seria agora feliz… Burro é certo, mas feliz.
A cana vibrava novamente, mais umas frases solta saídas do cerne do meu pensamento e estaria ali um peixe a debater-se para escapar. Era só uma questão de esperar. Esperar.

domingo, 11 de dezembro de 2011

AS VINTE REGRAS DE S. S. VAN DINE PARA SE ESCREVER UM BOM ROMANCE POLICIAL:

1. O leitor deve ter oportunidade igual à do detetive de solucionar o mistério. Todas as pistas devem ser claramente enunciadas.

2. Nenhum truque ou tapeação proposital deve ser utilizado pelo autor, senão os que tenham sido legitimamente empregados pelo criminoso contra o próprio detetive.

3. Não deve haver interesse amoroso no entrecho. A questão a ser deslindada é a de levar o criminoso ao tribunal e não a de levar um casal ao altar.

4. Jamais o detetive ou algum investigador deve ser o culpado. Isso seria tapeação: naturalmente porque o raciocínio do leitor está voltado para o rol de suspeitos.

5. O culpado deve ser identificado mediante deduções lógicas e não por acidente, coincidência ou confissão forçada. O contrário disso seria mostrar ao leitor que todo o seu trabalho de dedução foi inútil pois o tempo todo o autor tinha o nome do criminoso.

6. A novela de detetive tem de ter um detetive. Alguém que “detecte”. Que analise as pistas e junte-as a fim de identificar o autor da sujeira relatada no primeiro capítulo.

7. É necessário que haja um cadáver. Quanto mais morto, melhor. Os crimes menores que homicídio são insuficientes. Só o assassinato desperta no leitor seu sentimento de vingança e horror.

8. O problema do crime deve ser solucionado por meios rigorosamente naturais. Métodos como leitura da mente, reuniões espíritas, bolas de cristal estão excluídos. O leitor deve ter oportunidade igual à do detetive para solucionar o mistério; se ele tiver que competir com espíritos, bolas de cristal, etc, fica em desvantagem.

9. Cada história deve ter unicamente um detetive. Uma história com muitos detetives bagunça o raciocínio lógico da narrativa, além de deixar o leitor, que é único, em desvantagem. Na novela policial, o leitor se identifica com o detetive; havendo mais de um detetive, ele não sabe a quem dirigir sua atenção.

10. O culpado deve ser alguém que desempenhou papel mais ou menos destacado no entrecho. Alguém com quem o leitor se familiarizou. Se o autor apresenta um desconhecido como criminoso, estará admitindo sua derrota diante do leitor.

11. Criados – mordomos, valetes, guardas florestais, cozinheiros – não devem ser escolhidos pelo autor como culpados. Isso constitui uma solução fácil demais. O leitor ficará frustrado, achando que perdeu tempo tentando identificar um personagem tão desimportante. Se o crime foi obra de um trabalhador braçal, o autor não deveria ter escrito um livro a respeito.

12. Deve haver apenas um culpado, por maior que seja o número de homicídios cometidos. Esse culpado poderá ter um auxiliar, mas é nele que recairá a cólera do leitor.

13. As sociedades secretas, máfias, camorras, etc, não devem ter lugar em histórias de detetives. O assassinato verdadeiramente lindo e fascinante estaria comprometido por essa culpabilidade por atacado. Além disso, se o assassino pertence a um grupo criminoso, ele conta com uma rede de proteção, o que tira o fascínio do suspense.

14. O método utilizado para o assassinato e o meio de descobri-lo devem ser lógicos e científicos. Quer dizer que os meios pseudocientíficos e os dispositivos puramente imaginativos ou especulativos não serão tolerados no roman policier. O autor deve se limitar aos venenos e drogas conhecidos da população. Se inventar coisas mirabolantes sairá da área do romance policial e entrará no romance de aventura.

15. A verdade do problema deve estar bem à vista em todos os momentos da narrativa. O leitor
tem que ser arguto para perceber. Quando o leitor chegando à última página recomeça a leitura deve pensar: Puxa, por que eu não percebi isso? O leitor tem que se convencer que não é tão arguto quanto o detetive. Uma novela de mistério nunca será de mistério para todos os leitores pois alguns deles descobrirão o assassino antes do detetive.

16. Uma novela de detetives não deve conter compridas passagens descritivas, nenhum rebuscamento literário em questões secundárias, nenhuma análise sutilmente elaborada dos personagens, nenhuma preocupação “atmosférica”. Tais procedimentos retardam a ação e carreiam para a história elementos que não têm nada a ver com ela. Leitores de novelas policiais não buscam enfeites literários, estilo, belas descrições, mas o estímulo mental e a atividade intelectual.

17. Jamais se deve atribuir a um criminoso profissional a culpabilidade do crime em uma história de detetives. Os crimes cometidos por arrombadores e bandidos estão na esfera da polícia – e não na esfera de autores e detetives amadores (leitores). O crime verdadeiramente fascinante é o cometido por uma coluna-mestra da igreja ou alguma solteirona conhecida por seus atos de caridade.

18. O crime na história policial jamais deve ocorrer por acidente ou suicídio. Encerrar a história com esse anticlímax corresponde a um truque contra o leitor.

19. O móvel do crime na novela policial deve ser de ordem pessoal. Ciúme, cobiça, amor, ódio, vingança, medo, tara, etc. Sair desses motivos equivaleria a retirar do leitor um elemento de dedução. Tramas internacionais pertencem a outro gênero – o gênero da espionagem. O crime deve refletir a vivência cotidiana do leitor, proporcionar-lhe certo escapamento para seus próprios desejos e emoções reprimidas.

20. O autor “policial” não deve usar os meios dedutíveis ou provas já usados em demasia por outros autores, pois eles já são conhecidos dos leitores de romances policiais. Quando o escritor usa esses meios está confessando sua falta de talento e originalidade.

Anotado e adaptado por Joaquim Nogueira, do livro O MUNDO EMOCIONANTE DO
ROMANCE POLICIAL de Paulo de Medeiros e Albuquerque.

S. S. Van Dine, pseudónimo de Willard Huntington Wright, é o escritor norte-americano que criou o detetive Philo Vance.