domingo, 11 de dezembro de 2011

AS VINTE REGRAS DE S. S. VAN DINE PARA SE ESCREVER UM BOM ROMANCE POLICIAL:

1. O leitor deve ter oportunidade igual à do detetive de solucionar o mistério. Todas as pistas devem ser claramente enunciadas.

2. Nenhum truque ou tapeação proposital deve ser utilizado pelo autor, senão os que tenham sido legitimamente empregados pelo criminoso contra o próprio detetive.

3. Não deve haver interesse amoroso no entrecho. A questão a ser deslindada é a de levar o criminoso ao tribunal e não a de levar um casal ao altar.

4. Jamais o detetive ou algum investigador deve ser o culpado. Isso seria tapeação: naturalmente porque o raciocínio do leitor está voltado para o rol de suspeitos.

5. O culpado deve ser identificado mediante deduções lógicas e não por acidente, coincidência ou confissão forçada. O contrário disso seria mostrar ao leitor que todo o seu trabalho de dedução foi inútil pois o tempo todo o autor tinha o nome do criminoso.

6. A novela de detetive tem de ter um detetive. Alguém que “detecte”. Que analise as pistas e junte-as a fim de identificar o autor da sujeira relatada no primeiro capítulo.

7. É necessário que haja um cadáver. Quanto mais morto, melhor. Os crimes menores que homicídio são insuficientes. Só o assassinato desperta no leitor seu sentimento de vingança e horror.

8. O problema do crime deve ser solucionado por meios rigorosamente naturais. Métodos como leitura da mente, reuniões espíritas, bolas de cristal estão excluídos. O leitor deve ter oportunidade igual à do detetive para solucionar o mistério; se ele tiver que competir com espíritos, bolas de cristal, etc, fica em desvantagem.

9. Cada história deve ter unicamente um detetive. Uma história com muitos detetives bagunça o raciocínio lógico da narrativa, além de deixar o leitor, que é único, em desvantagem. Na novela policial, o leitor se identifica com o detetive; havendo mais de um detetive, ele não sabe a quem dirigir sua atenção.

10. O culpado deve ser alguém que desempenhou papel mais ou menos destacado no entrecho. Alguém com quem o leitor se familiarizou. Se o autor apresenta um desconhecido como criminoso, estará admitindo sua derrota diante do leitor.

11. Criados – mordomos, valetes, guardas florestais, cozinheiros – não devem ser escolhidos pelo autor como culpados. Isso constitui uma solução fácil demais. O leitor ficará frustrado, achando que perdeu tempo tentando identificar um personagem tão desimportante. Se o crime foi obra de um trabalhador braçal, o autor não deveria ter escrito um livro a respeito.

12. Deve haver apenas um culpado, por maior que seja o número de homicídios cometidos. Esse culpado poderá ter um auxiliar, mas é nele que recairá a cólera do leitor.

13. As sociedades secretas, máfias, camorras, etc, não devem ter lugar em histórias de detetives. O assassinato verdadeiramente lindo e fascinante estaria comprometido por essa culpabilidade por atacado. Além disso, se o assassino pertence a um grupo criminoso, ele conta com uma rede de proteção, o que tira o fascínio do suspense.

14. O método utilizado para o assassinato e o meio de descobri-lo devem ser lógicos e científicos. Quer dizer que os meios pseudocientíficos e os dispositivos puramente imaginativos ou especulativos não serão tolerados no roman policier. O autor deve se limitar aos venenos e drogas conhecidos da população. Se inventar coisas mirabolantes sairá da área do romance policial e entrará no romance de aventura.

15. A verdade do problema deve estar bem à vista em todos os momentos da narrativa. O leitor
tem que ser arguto para perceber. Quando o leitor chegando à última página recomeça a leitura deve pensar: Puxa, por que eu não percebi isso? O leitor tem que se convencer que não é tão arguto quanto o detetive. Uma novela de mistério nunca será de mistério para todos os leitores pois alguns deles descobrirão o assassino antes do detetive.

16. Uma novela de detetives não deve conter compridas passagens descritivas, nenhum rebuscamento literário em questões secundárias, nenhuma análise sutilmente elaborada dos personagens, nenhuma preocupação “atmosférica”. Tais procedimentos retardam a ação e carreiam para a história elementos que não têm nada a ver com ela. Leitores de novelas policiais não buscam enfeites literários, estilo, belas descrições, mas o estímulo mental e a atividade intelectual.

17. Jamais se deve atribuir a um criminoso profissional a culpabilidade do crime em uma história de detetives. Os crimes cometidos por arrombadores e bandidos estão na esfera da polícia – e não na esfera de autores e detetives amadores (leitores). O crime verdadeiramente fascinante é o cometido por uma coluna-mestra da igreja ou alguma solteirona conhecida por seus atos de caridade.

18. O crime na história policial jamais deve ocorrer por acidente ou suicídio. Encerrar a história com esse anticlímax corresponde a um truque contra o leitor.

19. O móvel do crime na novela policial deve ser de ordem pessoal. Ciúme, cobiça, amor, ódio, vingança, medo, tara, etc. Sair desses motivos equivaleria a retirar do leitor um elemento de dedução. Tramas internacionais pertencem a outro gênero – o gênero da espionagem. O crime deve refletir a vivência cotidiana do leitor, proporcionar-lhe certo escapamento para seus próprios desejos e emoções reprimidas.

20. O autor “policial” não deve usar os meios dedutíveis ou provas já usados em demasia por outros autores, pois eles já são conhecidos dos leitores de romances policiais. Quando o escritor usa esses meios está confessando sua falta de talento e originalidade.

Anotado e adaptado por Joaquim Nogueira, do livro O MUNDO EMOCIONANTE DO
ROMANCE POLICIAL de Paulo de Medeiros e Albuquerque.

S. S. Van Dine, pseudónimo de Willard Huntington Wright, é o escritor norte-americano que criou o detetive Philo Vance.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Mote do exercício: construir um texto com os seguintes dados: noite, lua cheia, alguém atravessa um jardim e no meio do caminho encontra um corpo caído...

Dizia-se na aldeia que se alguém ousasse entrar naquele jardim à noite, a lua ficaria cheia, independentemente da fase em que se encontrasse. Guilherme quis desafiar a lenda e decidiu fazer-se enterrar em quarto minguante. Jura agora a pés juntos que é tudo mentira. Mas na verdade os seus pés estão juntos para sempre. Deitados e enterrados.
A mãe do rapaz deseja agora tirar a teimas, e garante que há-de lá encontrar um corpo caído. Quanto mais não seja o seu. Ao lado do filho, claro.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Perdi-me...

Ao passar na vila, deparei-me com um ambiente fantasmagórico, um nevoeiro que se assentou assim do nada. Consegui no entanto avistar um vulto, era um homem com a cara completamente ressequida, era de facto um campino. Sobre o seu rústico casaco pendiam vestígios de palha tal como era feito o seu chapéu, parecia ter apenas um olho e a sua dentadura estava mais podre que o cerne oco de um carvalho com mais de 1000 anos. O Velho começou a dançar uma melodia maluca mas no entanto cativante, sapateou da seguinte forma: Um passo a frente, outro atrás, um outro à direita e seguidamente à esquerda, tirou o chapéu e deu uma voltinha, Ihá. A musica tão chamativa que outros pálidos fantasmas se alçaram das suas campas e dançaram. Todos seguiam os passos do líder. Do mestre. Quem era? Perguntam vocês tal como eu me perguntei perplexo a olhar aquele espectáculo. O vento passava uivando e quando passava, de vez em quando, sussurrava assustadoramente Coton Eye Joe. Petrificado ali fiquei, aliás só as minhas pernas assustadoramente se mexiam, dançavam aquela dança demoníaca, ritmada, quase coreografada, sem parar, enquanto a minha cara espelhava espanto e medo ao mesmo tempo, aliás expressava todas as sensações de incredibilidade e horror que se possam ter numa só expressão. Dancei até de madrugada quando acabou o pesadelo. Enfim; parei de dançar.

Eddie

Sem pudor...

...Mas com vergonha, aqui fica uma coisa (não lhe encontrei melhor nome) que escrevi há muito tempo.


Trazia os olhos carregados de amor
e as mãos sedentas de um abraço,
mas afinal no peito só trazia dor
e o coração esse, um pedaço.

Pedaço do que em tempos foi
e jamais voltaria a ser,
pena que eu não possa, anjo meu,
pela tua boca sofrer.

E sem mais desapareceu,
sem saber que as mãos minhas,
queriam pouco do que era seu.
voariam com um abraço...
Mas antes de nascer, morreu.

25 Junho 2000

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Conversa de embalar

É uma delícia ouvir esta mulher falar.
De tempos a tempos, volto a descarregar este podcast e adormeço com ele.
Admito que me agrada o Espanhol sul americano, mas para além disso, esta entrevista é de facto uma doçura do princípio ao fim.
Numa aula em que falámos de ideias para livros, a Ana Sofia descreveu uma personagem que por qualquer motivo se viu entregue a um longo período de reclusão, o que a levou a um confronto inevitável consigo própria (corrige-me se estiver errada, Ana Sofia). Nesse dia, lembrei-me novamente desta entrevista, em particular da passagem em que Ingrid Betancourt diz que o que mais a amedrontou foram os ruídos da selva que não conseguia identificar. Estranho, não é? Afinal não conhecemos tudo. Gostei desta pequena lição (e de todas as outras também), e fiquei irremediavelmente apaixonada pela sabedoria de Ingrid.
Por isso, se alguém ainda não ouviu, aqui fica.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

"In My Mind" Music Video



In my mind
In a future five years from now
I'm a hundred and twenty pounds
And I never get hungover
Because I
Will be the picture of discipline
Never minding what state I'm in
And I will be someone I admire
And it's funny how I imagined
That I would be that person now
But it does not seem to have happened
Maybe I've just forgotten how
To see
That I'm not exactly the person that I thought I'd be.

And in my mind
In the far-away here-and-now
I've become in-control somehow
And I never lose my wallet
Because I
Will be the picture of discipline
Never fucking-up anything
And I'll be a good defensive driver

And it's funny how I imagined
That I would be that person now
But it does not seem to have happened
Maybe I've just forgotten how
To see
That I'll never be the person that I thought I'd be.

And in my mind
When I'm old I am beautiful,
Planting tulips and vegetables
Which I will mindfully watch over

Not like me now
I'm so busy with everything
That I don't look at anything

But I'm sure I'll look when I am older

And it's funny how I imagined
That I could be that person now
That that's not what I want
But that's what I wanted
That I'd be giving up somehow
How strange to see
That I don't want to be the person that I want to be.

And in my mind
I imagine so many things
Things that aren't really happening
And when they put me in the ground

I'll start pounding the lid,
Saying, "I haven't finished yet,
I still have a tattoo to get,
It says, 'I'm living in the moment'".

And it's funny how I imagined
That I could win this win-less fight
Maybe it isn't all that funny
That I've been fighting all my life
But maybe I have to think it's funny
If I want to live before I die
And maybe it's funniest of all
To think I'll die before I actually
See
That I am exactly the person that I want to be.

Fuck yes.

I am exactly the person that I want to be.


Amanda Palmer

Mindelo

Partilho este quadro, que tem dois metros por um metro e meio (o equivalente a uma cama de casal), para que entendam melhor algumas das ideias que tento expressar. 
Pintei este quadro depois de visitar Cabo Verde. Representa uma vista, afortunada, da cidade do Mindelo na ilha de S. Vicente. Foi pintado com o objectivo de especificar muitos detalhes da cidade, como casas, os seus telhados coloridos, os barcos, as gaivotas e tudo o mais que fosse possível a um amador com pouco jeito para desenho, porém, quando cheguei ao ponto em que o quadro está, detive-me com as cores, que expressam muito mais do que desejei para o quadro todo e nunca mais tive coragem de lhe tocar. Não fui capaz de aceitar perder o que já tinha feito. Na pintura uma alteração é irreversível.
Estarei apenas com medo de o acabar? Estarei à altura? Valerá a pena acabá-lo?

A grande lição que tiro deste módulo é que a escrita não suja as mãos.


Última estação de Metro


João esperou até à última estação, deixou sair os últimos passageiros e quando teve a certeza que estava sozinho, deteve-se em frente ao mapa da rede do metro, abanou a lata de tinha preta e opaca, e apagou o Rossio. Sem querer, borrou também parte do Martin Moniz. A imperfeição da sua primeira pintura não o demoveu para continuar a repeti-la em cima de todas as portas da carruagem e o Martin Moniz, e mesmo a Baixa-Chiado, foram mesmo completamente poupadas em algumas das réplicas da sua obra.
Enquanto fugia, sentiu-se eufórico, como se tivesse conseguido apagar a vergonha de preto.

P.S. Mantenho a última frase por coerência com a aula mas concordo em cortá-la, ou apagá-la de branco.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Diálogos - Hoje há greve

_ Então?! Que surpresa! O doutor por cá? _ Sim, aqui quedamo-nos desterrados do mundo. _ Se houvesse meios, o doutor ia ou ficava? _ De certeza ficaria, nada há que me estimule mais do que ser do contra. _ E contra o quê está o doutor neste momento? _ Estou contra os que estão a favor. _ É uma perspectiva interessante. _ Sim, verdade! Por isso que a defendo acirradamente. _ Faz bem, Doutor, haja alguém que não seja óbvio! É servido? _ Com certeza, caro companheiro de luta. E grita para o empregado: _ Sr. António, é mais uma aqui pro canto !

domingo, 27 de novembro de 2011

Micro-conto 150 caracteres

As latas nas prateleiras do mercado são um desafio que Helena, a anã, vence com ajuda da filha mongol alçada pelo velho tísico. Será Deus um cómico?

sábado, 26 de novembro de 2011

Exercício - Descrição de personagem

As calças do Rui estão na eminência de lhe escorregarem do traseiro, se encolhesse apenas um pouco a barriga, enquanto caminha, ligeiramente fora do passeio e estrada fora. Tem as mãos enfiadas até ao fundo dos bolsos, a cabeça inclinada para baixo, um gorro de lã que deixa de fora apenas os lóbulos das orelhas.
Rui gosta do Inverno porque usando uma barba - que desejava fosse mais cerrada - e o gorro de lã enfiado até às orelhas, há poucas probabilidades de alguém o reconhecer. Há poucas probabilidades, até, de ele próprio se reconhecer. Quanto menos vir de si, melhor.
Se ao menos pudesse cortar o raio da barba e pegar no estupor do carro, ali ao fim da rua, sem o deixar ir abaixo três vezes. Consecutivamente, até se enervar e bater com a porta. Aos trinta anos, pensava ele, devia ser capaz de conduzir um carro. Não fossem as estratégias mentais que inventara para não ter de sair de casa.
Pois agora tinha de sair. E tinha de conduzir um carro. E não tinha apenas de o fazer. Queria-o. Desejava-o tanto quanto desejava ser outra pessoa.

Sobre o Ciúme

Essas farpas que me atiras no meio do teu descuido, são incisivas e doem que se farta. Geralmente, atingem-me a zona do peito. Quando é assim, o mal não é tão grande. Limito-me a absorvê-las, por osmose, e esperar que, esfregando-me com diligência, saia delas o maior da porcaria. No entanto, é mais grave quando me atingem a cabeça à retaguarda. À traição! O punho esmaga-me o cérebro. Depois desce com torturante lentidão; deformando-me o pescoço como se fosse um pastel de massa tenra. E sinto-me comprimir aos bocadinhos, a ficar mais denso e pequenino até que nada reste de mim senão um ponto de singularidade, na eminência de tal rebentamento que vai tudo pelo ar. Vou eu, vais tu e vai quem com ele apanhar. Dá-se a birra no seu maior expoente. Mas uma birra criativa, bonita de ser ver, fértil de factos, proficiente na recolha de detalhes, e exemplar na produção de conclusões calamitosas. E do alto da minha privilegiada estanquicidade e para que vejas, enterro as farpas ainda mais fundo. Já não são farpas, são armas, são filhos, são aliados no lúdico processo que passa a ser a tua obliteração.

Enfim, é uma questão de busca de empate ou empatia, já que também me sinto obliterado. Ora desce cá para baixo, para que tenhas uma perspectiva favorecida do que é sentirmo-nos diminuídos. Senta-te aqui comigo, na água fétida da humilhação, para que te possa medir, pesar e comparar fria e cirurgicamente. É isso que faço dentro da minha cabeça. É uma oficina de retalhos, esta minha cabeça. As minhas melhores ideias são abortos edificados do maior calibre. Mas, também, trabalho com o que tenho: as tuas farpas.

Será?

Um escritor é a combinação fatal entre timidez e ego.

Inesperadamente no quarto

Ela entrou em casa batendo furiosamente a porta da entrada, dirigia-se em passo rápido para o quarto como se nenhuma alma a conseguisse travar, no seu interior crescia fúria, fúria misturada com ânsia, desejo, saudade e muitos mais sentimentos que compõem a paixão. Os seus olhos azuis ardiam de sensualidade, flamejavam como duas chamas saídas de maçaricos. Ao longo do extenso corredor que dava para o quarto, ia tirando as peças de roupa, uma a uma. O curto casaco de cabedal foi o primeiro a ficar junto a porta, depois seguiu-se o cinto de couro que atirou para a mesa do corredor juntamente com as chaves de casa, soltou então o elástico que lhe prendia o negro cabelo liso balançando-o suavemente para o soltar na totalidade e com um movimento brusco da cabeça atirou-o para trás das costas. Começou a tirar as botas violentamente com o auxílio dos pés ficando ambas separadas por um metro, agora os seus pés nus caminhavam na carpete percorrendo suavemente e sem qualquer barulho a distância que remanescia até ao quarto. Quando começou a desapertar os primeiros botões das calças estava já a meio do corredor, e cada passo que dava desencadeava o deslizamento gradual das mesmas, expondo a sua roupa íntima que era de um vermelho mais tinto que o vinho. Ao chegar á porta do quarto, abriu-a com força, onde ele se encontrava, á janela a fumar um cigarro, com o seu casaco de veludo negro e o chapéu de capitão que nem sequer tinha ainda tirado. Dirigiu-se a ele como uma fera sobrenatural, nada a parava, algo a consumia ardentemente como uma chama consome a madeira e o oxigénio em absoluta combustão. Sim era isso, podia-se dizer que ela estava em plena combustão, estava brava, esperara aquele momento vezes sem conta, contara na memória infinitas vezes, fizera contas com os dedos, fizera cálculos nas horas de trabalho, em casa, no banho, imaginara mais de mil vezes o filme, o episódio, a situação. Já não o via há duas semanas, com a agravante que tinham discutido antes de ele embarcar. Era a hora de por tudo em pratos limpos. O acontecimento deu-se todo numa fracção de segundo: Sem lhe dar tempo de pensar ela arrancou-lhe o cigarro da mão, deu um bafo e atirou-o pela janela. Espantado, ele não teve tempo de dizer qualquer palavra nem de fazer qualquer expressão, nem sequer teve possibilidade de executar qualquer gesto. No entanto todo o filme que ela fizera, todo o arranjo, todos os cálculos, a preparação; tudo se esvanecera por completo da sua mente, mas ela determinada não ia abdicar daquilo que tinha para dizer. Os seus olhos cruzavam-se com os deles e que fez ela então. Beijou-o, beijou-o tão fortemente que não acredito que haja beijo mais grandioso e digno de ser trovado como aquele. Beijou-o dizia eu, com tanta paixão que era agora impossível reproduzir tal beijo novamente. Beijou-o e começou a tirar-lhe a roupa a qual acção ele não se opôs, acompanhou-a tirando-lhe a roupa que restava no corpo. Ela beijou-o apaixonadamente enquanto as mãos de ambos percorriam os corpos já nus, prontos a fundirem-se num só. Faltara apenas ela dizer aquilo que a melindrava, que guardara desde a ultima discussão que tiveram. Cruzou o olhar com o dele e passou-lhe a mão pela face, enquanto ele mordiscava-lhe o pescoço ela disse-lhe ao ouvido: “Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer …. “ Não conseguiu no entanto acabar aquilo que tanto esperará para lhe dizer, ela soluçava, as pernas desfaleciam, tremiam de desejo o seu coração originava batidas que parecia um bombardeiro em plena guerra, as mãos dele sentiam todos os centímetros do corpo dela, sentiam os seios, acariciavam-lhe as nádegas, acarinhavam-lhe o sexo, sentiam-lhe o prazer, afagavam lhe o cabelo e a cara, tudo, de forma tão perfeita como se fosse um escultor exímio a trabalhar na sua mais recente obra e cuja loucura lhe tenha ceifado a vida. Os corpos suados de ambos uniam-se por vontade da paixão e microscopicamente, átomos e electrões chocavam naquele quarto e o tornava cada vez mais abafado o que contudo não os impediu de continuarem, cada um deu ao outro aquilo que mais tinha de valor… durante horas a fio.

O poeta

Figuras que rondam

Há duas horas e trinta e cinco minutos que A Sombra cumpre, exímia, a incumbência que lhe foi destinada. O mais importante é que a cada quinze minutos A Sombra passe na Rua Quinta Nova do Almargem e que se certifique que a música continua a tocar. A Sombra empunha uma faca de cozinha na mão direita, os olhos raiados de sangue são dois rubis que ardem enquanto a noite acontece calma.
Às vinte e duas horas e dezasseis minutos os dois militares, agora trajados à civil, assombram à porta do Instituto. A Sombra inquieta-se: esta é a sua derradeira oportunidade para levar ao chefe os dois traidores. A faca de cozinha ergue-se no ar e no momento em que A Sombra se prepara para reclamar a glória que lhe escapa há tanto tempo os dois militares cristalizam-se num abraço, a música cessa finalmente de existir e A Sombra, enternecida com este final lamechas, evapora-se no ar.

Ser-se Garfo

Gosto especialmente que te lances comigo na aventura da sopa e que logres sorver o líquido numa gargalhada traquinas - assim elevas-me no ar e conforme o líquido aveludado te escapa, me escapa, o teu sorriso que se estende pelos cinco anos do teu rosto e a minha pergunta, num eco de metais:
- Tentamos outra vez?

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Na pele e na vivência de um garfo


Levanto-me todos os dias de manhã, por volta das 08:00 horas. Fardo-me de manhã e lá vou para a minha secção, a cozinha. Coloco-me no tabuleiro que em breve irá ser usado. O meu uso é diário, sou utilizado todos os dias. Alimento a fome que todos passam. Em parte, sou um utensílio das suas fraquezas.

Sou tocado por muitas pessoas ao longo do dia, não tenho descanso, nem paragens. Sou higiénico, sim, porque tomo banho varias vezes ao dia. Mesmo sendo sou um objecto, não me sinto como tal, pois sou muito útil, dá-me alegria esta utilidade sem fim. Proporciono bons momentos às pessoas, muitas vezes até, considero-me um romântico, chego aproximar as pessoas e sentir o seu carinho em mim.

A noite vem e leva-me com ela, para o mesmo lugar, o tabuleiro. Mas sei que no novo dia que virá, bem cedinho serei utilizado e usado vezes sem conta.

Alegra-me contribuir para o bem-estar das pessoas. No fundo sou uma mais-valia, não sou nada vulgar! Eu sinto melhor que ninguém o aconchego destas pessoas. Sou um garfo, mas se eu não existisse? Seriamos sempre primitivos, comendo com as mãos! E para quê sujar as mãos, quando podem ter-me a mim, um belo e elegante garfo. Contribuí para evolução da sociedade.

Andreia Manuela Tomé Tavares

Enigmas


No profundo da de qualquer ser, racional ou irracional, como um pequeno gato.

Os sentimentos surgem como enigmas, esperando serem descodificados. Provocam um determinado constrangimento em nós, pois não sabemos muitas vezes lidar com eles, desvendar os seus mistérios.

O amor, por exemplo, é um enigma eterno. Podemos senti-lo e vivê-lo, mas não o compreendemos. Digamos que seja como um moinho, funciona e deixa de funcionar. Tentamos consertá-lo e por vezes não tem conserto, considerando também que é uma regalia da nossa antiguidade.

O amor é um mistério que nos ultrapassa. Provoca-nos emoções imensas e distintas, coloca-nos no mais alto pedestal da alegria desigual e deixa-nos cair na mais profunda das covas. Aquece-nos e arrefece-nos a alma, o coração. É o cobertor do Inverno e o lençol do Verão.

Andreia Manuela Tomé Tavares

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Esboço de um possível diálogo.

Entro na cozinha e o aroma a natal invade-me o estômago. Como a ocasião faz o ladrão aproveito o momento em que a família conversa animadamente na sala e preparo-me para assaltar o frigorífico, num roubo sem precedentes a todas as iguarias a que só voltarei a ter acesso daqui a um ano. Num momento clássico de bandidagem movo-me silenciosamente na penumbra e no momento em que os meus dedos tocam o bolo de chocolate que repousa na bancada um silvo quebra-me o apetite voraz:
- A avó voltou a oferecer-me umas meias de andar por casa - dois olhos cintilam na escuridão e uma resposta voa rente aos meus lábios como um dardo envenenado.
- A mim coube-me um livro sobre a arte de dialogar - aguardo, dentro do meu bunker sentimental, orgulhosa da diferença monetária que separa os nossos presentes, pela retaliação. Os dois olhos permanecem gelados, fitando-me com fúria. Remato:
- Talvez devesses dar uma olhadela, de modo a que no próximo ano consigas anunciar com antecedência o presente que queres receber - as minhas palavras cristalizam-se no ar, maliciosas. Ela ergue por fim a espada de mágoa e carregando consigo a raiva própria dos rancores mantidos em cativeiro esbofeteia-me:
- Óptima sugestão, Mariana. Dada a época benevolente em que nos encontramos agracio-te também com um conselho: quando acabares de ler esse acumulado de páginas inúteis volta a inscrever-te no curso de Escrita...

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Linguagem exacta e rigorosa

"Para que os pormenores se tornem concretos e ganhem sentido, a linguagem usada deve ser o mais exacta e rigorosa possível. As palavras podem, mesmo, ser tão precisas que pareçam insípidas; porém, se forem bem utilizadas, farão soar todas as notas, em todos os registos".

Raymond Carver

Alguém que fala sem medos sobre essa coisa esquisitíssima: amor.

 "Habituamo-nos a tratar os amores como electrodomésticos: quando se escangalham, vamos ao supermercado comprar um novo, igualzinho ao que o outro era. Consertar? Não compensa: o arranjo sai caro, além de que nunca se sabe muito bem onde procurar a peça que falta. Substituímos a eternidade pela repetição, e o mundo começou a tornar-se monótono como uma lição de solfejo. Tememos a maior das vertigens, que é a da duração. Mas no fim de cada sucesso há um cemitério como o de Julieta e Romeu, apenas com a diferença da aura, que é afinal tudo. As pessoas morrem cada vez mais velhas e cansadas de correr, e os seus cadáveres tensos soçobram de ridículo sob a terra das suas efémeras conquistas."
E para sobremesa, um aforismosinho:
"O ciúme é o vírus do analfabetismo sentimental." 
Inês Pedrosa in Nas Tuas Mãos

O vídeo mesmo errado


(Poema de Alexandre O'Neill)
O vídeo é amador.
A minha gravação censurada do vídeo é trágica.
Felizmente o poema resolve isso tudo.

Gregueriando

. O pinguim é o pianista do Pólo Sul  

. A zebra é... A zebra é... A zebra é... (Lamentamos mas este animal está riscado)

. A ostra é um berbigão que chupa rebuçados 

. O urso polar é um peluche carnívoro 

. A reticência é um ponto final gago

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Delírios no caminho até ao trabalho


Quanto tempo até que o corpo desça?
Quanto tempo sob uma luz intermitente e amarelecida, quanto tempo oferecendo as costas ao meu reflexo? – o frenesim do trânsito e da vida a acontecer nesta Lisboa de chuvas agita-me antes de sentir a rua, e olho de esguelha o quadro que o espelho pinta: tenho a certeza que essas olheiras não são as minhas. Demoro(-me) 48 segundos, numa precisão que o relógio arrepia, neurótico, apressando, correndo pelo ascensor abaixo até ao piso zero: são silenciosas as palavras que troco com a contradição do espelho conforme ultrapasso, numa corrida de caracóis, o oitavo piso, o sétimo, o sexto, o quarto e o quinto ou ao contrário, e ao terceiro antes do segundo, numa tragédia exacerbada pela náusea dos impacientes: quanto tempo até que o corpo desça?
Chego, exausta, ao fim da viagem: delírios passageiros que um elevador proporciona. 

(Caros colegas, os factos aqui descritos correspondem à realidade, na medida em que posso provar que o elevador do prédio onde habito uma caixinha de cartão (um apartamento?) demora mesmo 48 segundos a fazer a viagem piso 9 - piso 0 (não está provado que a viagem inversa corresponda ao mesmo tempo de delírio, mas supomos que sim). Já relativamente à titularidade das tais olheiras que o espelho, teimoso, reflecte, bem... nunca iremos saber a quem realmente pertencem. Deixamos esse facto à mercê da vossa muito fértil imaginação. Boas escritas!)

Descrição de um beijo

«Toco a tua boca. Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida entre todas as bocas, escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender, coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da que a minha mão te desenha.
Olhas-me, de perto me olhas, cada vez mais de perto, e então brincamos aos ciclopes, olhando-nos cada vez mais de perto. Os olhos agigantam-se, aproximam-se entre si, sobrepõem-se, e os ciclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam sem vontade, mordendo-se com os lábios, quase não apoiando a língua nos dentes, brincando nos seus espaços onde um ar pesado vai e vem com um perfume velho e um silêncio. Então as minhas mãos tentam fundir-se no teu cabelo, acariciar lentamente as profundezas do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de uma fragrância obscura. E se nos mordemos a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo do fôlego, essa morte instantânea é bela. E há apenas uma saliva e apenas um sabor a fruta madura, e eu sinto-te tremer em mim como a lua na água.»


In O jogo do Mundo (Rayuela), de Julio Cortázar

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Micro-contos entre e o amor e a morte

  • Apaixonado, ele queria mandar-lhe uma mensagem mas não havia dinheiro que pagasse o seu amor.

  • Deitado naquela cama de Hospital, sobre o seu corpo abatia-se um eterno sono. Infelizmente, a morte não dorme e a enfermidade não tem fim.

Gaspar

Aforismos a uma voz pessoal

Não há decepção na mentira, só a verdade da ilusão.

Gaspar

Para a frente e para trás

Não te amo mais.
Estarei mentindo se disser que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
não significas nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
Clarisse Lispector

Agora sugiro-vos que o leiam de trás para a frente.

Escritora brasileira de origem judia e de raízes ucranianas, este poema é a prova viva do poder da palavra e da sua ambivalência emocional e sentimental.


Descrição do Video Youtube - We trust “Time (better not stop)”

Antes do frio chegar, a água é tão flexível como os jovens que a perseguem. Aproveitam o fim de tarde, espelhado nas janelas da escola de madeira escura, quando nenhuma criança os pode ver.
Estes jovens já não frequentam esta escola, mas ainda se lembram da vista que tinham das salas para as árvores despidas do outono. É nesta escola que ainda procuram a sua própria velocidade, competindo entre eles para tentarem mostrar quem é que consegue rodar mais tempo com a água, sem se molhar.
Naquele dia a água ainda explodia no chão, nos balões, nas pedras e ainda se deixava apanhar.
Ela, vê-os ao longe, e sabe que o frio enrijece a água e que um dia terão de partir.



Escrito durante a aula do dia 16 de Novembro de 2011

Exercício: Descritivo do nosso caminho de casa ao emprego

Saio de casa ainda antes de haver luz do dia, como se não quisesse saber de onde venho, antes de chegar aonde vou. Mesmo assim, com o tacto apurado, sem quase abrir os olhos, inspecciono o meu pequeno pátio que estou a transformar em pequeno jardim. Tem paredes brancas, demasiado bem pintadas que emolduram a tijoleira que, durante o dia, sofre com a luz em demasia, e a minha sombra não é suficiente para nos proteger.
Sou bastante rápido a sair de casa. Abro a porta de repente porque tenho medo que as flores se fechem antes de as conseguir ver. Quando me chego perto delas, e percebem que já as cheirei, não têm tempo para se fecharem e ali ficam quietas a deixar-me examiná-las, como uma criança quando confia na sua mãe. 
Ainda é possível ver o preço em alguns dos vasos, nos restos das etiquetas que jazem mutiladas no barro cozido.
Como se as estivesse a regar, vou de vaso em vaso, e debruço-me o tempo suficiente para as tentar reconhecer. Eu sei que elas não podem fugir nem trocar de vaso durante a noite, mesmo que o vaso ao lado seja maior ou que tenha sido mais caro, mas, antes de me deixarem ir embora, reparo que mesmo sem a luz do sol, as cores das flores são tão vivas, tão vivas, que nem consigo distinguir qual a cor que elas têm.

Exercício: O primeiro parágrafo de um Romance

Joana sentiu um grande alívio quando abriu a porta de casa e confirmou que ninguém estava à sua espera na rua. Correu para a esquina, como se fugisse do seu próprio carro. Como se nem um táxi a pudesse salvar.

Massagem cardíaca

Teixeira de Pascoaes que me perdoe. Os aforismos afinal são dele e não do outro. A boa notícia, para a minha sanidade mental pelo menos, é: o livro existe. E apesar de não ser amarelo como eu tinha dito, tem amarelo, o que é já um excelente indício cromático da minha não tão má memória. Coincidência ou não, as cores são o grande culpado desta história. Comprei este livro em 1998, ano em que me recordo de ter andado às voltas do tema "as cores". Parece que Wittgenstein reflectiu sobre o assunto,  e muito provavelmente terei tropeçado nele, no mesmo dia em que comprei este livro. O resto aconteceu naturalmente, os aforismos passaram a ser de Wittgenstein, e a única memória exacta (vá lá, ser amarelo é quase a mesma coisa que ter amarelo) é que havia amarelo na história.
Porque a capa é linda, aqui fica ela, e a pedido do ressuscitado deixo também um dos seus aforismo que vem a propósito:

"De que serve ressuscitar? Toda a gente continua a ver o morto."

Então?

Então!... Ele abriu os olhos. Não apenas ele mas como todos os outros jovens, sedentos de mudança que conspiravam contra uma sociedade capitalista, que escravizava os seus subordinados. Exercia-se uma escravatura salarial, era o tipo de escravatura que no mundo que se dizia “civilizado”. Mas “Não!” Bradou aos amigos, conhecidos e inimigos "Não pode continuar assim. Isto tem que mudar, pode até nem dar em nada mas parados não vamos nós ficar”, continuou ele pensando no que outrora foi o seu pais, no tempo de Camões, e no que é hoje em dia. Queriam era mudar o presente em prol deste patriotismo estúpido que só nos faz mal.
Mas foi com estas pequenas palavra que começou tudo. A eles juntaram-se estudantes; classe operária; fábricas, e o mais estupidificante dos trabalhos: a malta de televendas. Juntaram-se também mulheres, pescadores, mendigos e tudo mais quanto possam imaginar. Já constituam um largo grupo e foram crescendo ainda mais. Foram para o Marquês de pombal... Não porque havia jogo, não! Não porque era dia sem carro, não, e certamente não foi por ser dia de eleições. NÃO! Foram para o Marquês sim! Porque era um dia novo... Um dia novo na história de Portugal. Não era o 25 de abril e nem tão pouco o Maio 68, era sim: Portugal, Dezembro de 2009. O ano em que se esperava que caísse… um “nevão” de novas oportunidades.

O Capitão

sábado, 19 de novembro de 2011

Textos Literários e não Literários

Os textos literários,são aqueles que, em geral, têm o objetivo de emocionar o leitor, e para isso exploram a linguagem conotativa ou poética. Em geral, ocorre o predomínio da função emotiva e poética.

Exemplos de textos literários: poemas, romances literários, contos, telenovelas.

Os textos não literários pretendem informar o leitor de forma direta e objetiva, a partir de uma linguagem denotativa. A função referencial predomina nos textos não-literários.

Exemplos de textos não-literários: notícias e reportagens jornalísticas, textos de livros didáticos de História, Geografia, Ciências, textos científicos em geral, receitas culinárias, bulas de remédio.

Fonte: Wikipédia

Afo rismos

O problema da solidão é a companhia que ela nos faz.

A graça da Graça


Mote do exercício: descrição do percurso casa - trabalho

À noite escolho sempre o vestido. Não por vaidade, apenas por ser mais confortável. Ontem, por ser já muito tarde e por chover desalmadamente, fiquei na dúvida. Talvez as calças fossem uma escolha mais inteligente. Abri o armário e os colares ecoaram violentamente na porta de madeira, em três intensidades distintas até se silenciarem inertes. Talvez não tenha sido assim tão boa ideia pendurar ali as bugigangas todas.  Bom, dizia eu, abri a porta do armário e nem um único par de calças passado a ferro. Estava deliberada a sentença sem possibilidade de recurso: hoje usaria o vestido. Aprecio quando o Universo (para os mais esotéricos) ou o acaso (para os mais descrentes) tomam decisões. O acaso tinha-se decidido hoje pelo vestido e eu nem por momentos o desejei questionar. Agradeci-lhe apenas.
Tinham passado doze dias desde o meu último vôo e a rotina que automatiza os preparativos de forma irrepreensível encontrava-se já algo esbatida. Por ser nestas alturas que deixo para trás coisas importantes como as hawaianas ou a escova de dentes, fiz a mala com o maior dos cuidados. Fechei-a, segura de que não faltava nada, e transportei-a em peso até à porta para não incomodar a chata da vizinha de baixo. Enfiei o vestido pela cabeça, contorci-me para chegar ao fecho das costas, corri-o de uma só vez até ao pescoço com a prática de uma surfista profissional, e ajeitei-o ao espelho enquanto descontraía os braços do esforço. À excepção do fecho traseiro, o vestido é de facto uma peça descomplicada. Não é preciso entalar constantemente a camisa na saia de cada vez que se levantam os braços. Há quem a prenda nos collants para prevenir o incómodo, mas eu ainda não me rendi a essa solução, com a mesma convicção com que me recuso a usar touca de banho quando não quero molhar o cabelo. Dá jeito sim senhora, mas não há auto-estima que resista a qualquer uma das duas imagens. Enquanto não se proibirem os espelhos, ninguém me apanha com a camisa presa nas meias, ou com uma touca de banho de elástico franzido a vincar-me riscos na testa.
Naquele dia tinha lavado o cabelo, substituído a camisa pelo vestido, e tinha inclusivamente tido o cuidado de não arrastar as rodas da mala no soalho de pinho, para não aborrecer a Graça. A Graça aborrece-se com facilidade e não me custa nada facilitar-lhe um serão em paz, pelo menos enquanto a minha coluna colaborar. Para não lhe perturbar a telenovela, divaguei então pela casa de vestido formal e chinelos de pêlo, enquanto tomava as últimas providências para que tudo ficasse tranquilo na minha ausência. Janelas e estores bem fechados para não entrar água, um breve aceno de perdão às bubanvílias do terraço por deixá-las entregues à sua própria sorte e ao mau humor do vento, luzes apagadas, televisão desligada no botão para poupar meia dúzia de cêntimos que não fazem diferença a ninguém mas que o planeta agradece, e tudo mais que me garanta as coisas no mesmo sítio quando voltar a casa. Talvez não as buganvílias.
Neste vai e vem de guardiã, mesmo de chinelos felpudos, é impossível evitar por completo o chiar da madeira. Sei bem onde mais lhe dói e evito lá pisar, mas o soalho está velho e já lhe sobram poucas zonas sem mágoa, pelo que o bem estar da minha vizinha de baixo não depende apenas da minha boa vontade, mas também da saúde do desgraçado de pinho.
Por sentir alguma agitação no andar de baixo, detive-me alguns momentos antes de sair a porta e dar início ao momento mais temível para a telenovela da Graça: descer três andares de escadas ínvias de madeira, com uma mala de doze quilos nas mãos, e sete centímetros de saltos nos pés. Ainda considerei a hipótese de descer as escadas descalça, não se desse o caso de ter as duas mãos ocupadas, mas entre evitar o conflito com a vizinha, ou o ridículo de ser apanhada com os sapatos pendurados na boca, decidi-me por manter a minha dignidade.
Com a mala pousada no chão e a porta ainda fechada, subi para cima dos sapatos que me aguardavam à saída, chutando os chinelos para o lado, num (dois, neste caso) trejeito(s) decidido(s), respirei fundo, levantei a cabeça e deitei a mão à chave. Abri a porta, em bicos de pés passei cuidadosamente a mala para o lado de fora, e tranquei a porta com os ombros novamente encurvados, como se tal postura abafasse o barulho.
- Endireita as costas! Onde já se viu, uma rapariga da tua idade com medo de uma vizinha.
- Não é medo, é respeito.
(Tinha aprendido esta desculpa em pequena durante as férias de verão na Ericeira, e desde então usava-a sempre que me dava jeito mesmo que não fizesse sentido nenhum)
Endireitei as costas, enchi novamente o peito de ar, e lancei-me às escadas num sapateado inevitável de quem usa sapatos dois números acima, para prevenir as dilatações próprias da altitude. Quem apenas me ouvisse, nunca diria que me esforçava por não fazer barulho, mas quem me pudesse ver, não teria qualquer dúvida. A carteira a tiracolo atirada para trás das costas, as duas mãos na pega da mala a tentar equilibrar os doze quilos por forma a não arruinar o verniz dos degraus de madeira, nem romper os collants, as pontas esvoaçantes do lenço de seda a taparem-me a visão (quem deixou a porta da rua aberta?), e as passadas largas (mais humilhantes que um par de sapatos na boca) a desenharem círculos vagarosos no ar, para não falhar os degraus, nem deixar cair os sapatos. Apesar do esforço, era inevitável que o salto batesse primeiro no degrau e eu sabia que era quase impossível que quarenta e cinco tacadas daquelas passassem impunes aos ouvidos da temível Graça.
(Engraçado ela chamar-se Graça).
Por volta da décima segunda chinelada, a minha respiração treinada deixava sempre de conseguir controlar a ansiedade. O coração disparava, os mais pequenos ruídos pareciam-me o som da porta da vizinha a abrir, e a descida inicialmente pausada entrava em modo de aceleração descontrolado, que só por mero acaso nunca resultou em acidente. Saltando os degraus aos pares, aterrei cá em baixo, desfeita. O rabo de cavalo pendurado de lado, o rímel já levemente desbotado pela pele humedecida de medo, e claro, as meia rasgadas.
Dei-me conta que nem sequer tinha posto o lenço hoje, no momento que a porta da rua se abriu.
- Boa noite menina. Mais uma viagenzinha. Tem de ser, não é? Tenha cuidado, olhe que chove que Deus a dá.
- Obrigada Graça, até sexta. - Respondi com um enorme sorriso apavorado.
Tenha cuidado? Tsst... Como se a chuva fosse coisa para me amedrontar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Leituras Acidentais

"To love at all is to be vulnerable. Love anything, and your heart will certainly be wrung and possibly be broken. If you want to make sure of keeping it intact, you must give your heart to no one, not even to an animal. Wrap it carefully round with hobbies and little luxuries; avoid all entanglements; lock it up safe in the casket or coffin of your selfishness. But in that casket — safe, dark, motionless, airless — it will change. It will not be broken; it will become unbreakable, impenetrable, irredeemable. The alternative to tragedy, or at least to the risk of tragedy, is damnation. The only place outside of Heaven where you can be perfectly safe from all the dangers and perturbations of love is Hell" - C.S. Lewis (The four Loves)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Sugere-se que em todas as ruas

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

Time (Better Not Stop)


Na aula passada (16/11/2011) foi-nos proposto que observássemos este video dos We Trust e que mediante notas ou uma qualquer capacidade mental de qualidade fotográfica (ou de elefante), retivéssemos toda aquela infusão de imagens, para que posteriormente ao seu visionamento, procurássemos traduzi-las em palavras. Não era imperativo uma transcrição directa daquela alegoria visual, apenas que se tentasse ao máximo imergir o leitor em todo o seu ambiente.

Sem mais, e tal como sugerido na aula, poderão encontrar o nosso olhar nas respostas desta mensagem.

Gaspar

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Micro


João Promessas volta a ceder-me um papel no teatro das lágrimas mas - conforme o fato no corpo - continuo a não caber dentro da personagem.

(No limite: 147 caracteres?)