quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Esboço de um possível diálogo.

Entro na cozinha e o aroma a natal invade-me o estômago. Como a ocasião faz o ladrão aproveito o momento em que a família conversa animadamente na sala e preparo-me para assaltar o frigorífico, num roubo sem precedentes a todas as iguarias a que só voltarei a ter acesso daqui a um ano. Num momento clássico de bandidagem movo-me silenciosamente na penumbra e no momento em que os meus dedos tocam o bolo de chocolate que repousa na bancada um silvo quebra-me o apetite voraz:
- A avó voltou a oferecer-me umas meias de andar por casa - dois olhos cintilam na escuridão e uma resposta voa rente aos meus lábios como um dardo envenenado.
- A mim coube-me um livro sobre a arte de dialogar - aguardo, dentro do meu bunker sentimental, orgulhosa da diferença monetária que separa os nossos presentes, pela retaliação. Os dois olhos permanecem gelados, fitando-me com fúria. Remato:
- Talvez devesses dar uma olhadela, de modo a que no próximo ano consigas anunciar com antecedência o presente que queres receber - as minhas palavras cristalizam-se no ar, maliciosas. Ela ergue por fim a espada de mágoa e carregando consigo a raiva própria dos rancores mantidos em cativeiro esbofeteia-me:
- Óptima sugestão, Mariana. Dada a época benevolente em que nos encontramos agracio-te também com um conselho: quando acabares de ler esse acumulado de páginas inúteis volta a inscrever-te no curso de Escrita...

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