terça-feira, 22 de novembro de 2011

Delírios no caminho até ao trabalho


Quanto tempo até que o corpo desça?
Quanto tempo sob uma luz intermitente e amarelecida, quanto tempo oferecendo as costas ao meu reflexo? – o frenesim do trânsito e da vida a acontecer nesta Lisboa de chuvas agita-me antes de sentir a rua, e olho de esguelha o quadro que o espelho pinta: tenho a certeza que essas olheiras não são as minhas. Demoro(-me) 48 segundos, numa precisão que o relógio arrepia, neurótico, apressando, correndo pelo ascensor abaixo até ao piso zero: são silenciosas as palavras que troco com a contradição do espelho conforme ultrapasso, numa corrida de caracóis, o oitavo piso, o sétimo, o sexto, o quarto e o quinto ou ao contrário, e ao terceiro antes do segundo, numa tragédia exacerbada pela náusea dos impacientes: quanto tempo até que o corpo desça?
Chego, exausta, ao fim da viagem: delírios passageiros que um elevador proporciona. 

(Caros colegas, os factos aqui descritos correspondem à realidade, na medida em que posso provar que o elevador do prédio onde habito uma caixinha de cartão (um apartamento?) demora mesmo 48 segundos a fazer a viagem piso 9 - piso 0 (não está provado que a viagem inversa corresponda ao mesmo tempo de delírio, mas supomos que sim). Já relativamente à titularidade das tais olheiras que o espelho, teimoso, reflecte, bem... nunca iremos saber a quem realmente pertencem. Deixamos esse facto à mercê da vossa muito fértil imaginação. Boas escritas!)

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